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Novo coronavírus impõe isolamento até no luto e muda a rotina em cemitérios

Velórios suspensos ou encurtados, limitação no número de pessoas que podem acompanhar os enterros, caixões fechados. Assim são as despedidas cada vez mais solitárias, sem o conforto de um abraço ou o amparo de um ombro amigo. Em meio à pandemia do novo coronavírus, dar adeus a um ente querido torna-se ainda mais difícil.

Na tarde de quarta-feira, dia 1º, apenas oito pessoas compareceram ao enterro do aposentado Nazareno Rodrigues da Costa, no Cemitério do Caju, Zona Portuária do Rio. O idoso, que tinha 72 anos, morreu segunda-feira após dar entrada com pneumonia num hospital da Baixada Fluminense. Ele estava muito debilitado e o resultado do teste para Covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, deu positivo. Sepultadores e o motorista do carro da funerária utilizaram equipamentos de proteção individual, como macacões, máscaras e luvas.

— Foi um enterro mais solitário, mais triste para toda a família. Mas é para o bem de todos, não podemos criar aglomerações e respeitamos isso — contou Thamires Costa, neta de Nazareno.

Funerárias e cemitérios do Rio têm adotado medidas de prevenção para os funcionários lidarem com os corpos de vítimas suspeitas ou confirmadas da Covid-19. A doença já matou 47 pessoas em todo o estado, segundo o boletim divulgado ontem pela Secretaria estadual de Saúde.

De acordo com a Coordenadoria de Cemitérios, ligada à Subsecretaria de Conservação da Prefeitura do Rio, “fica a cargo de cada família a escolha de um dos 21 cemitérios do município para enterrar ou cremar o seu ente querido”. Nos cemitérios da Penitência, do Caju, da Cacuia (Ilha do Governador), de Ricardo de Albuquerque, de Realengo, de Santa Cruz, de Guaratiba, de Paquetá, de Sulacap e de Paciência, além dos cuidados básicos com higienização, os parentes de mortos com suspeita de Covid-19, já chamada de “doença da solidão”, recebem orientações de acesso limitado à capela e de se aproximar do caixão um de cada vez. As cadeiras estão a dois metros uma da outra. Quem preferir pode optar pelo velório transmitido pela internet ou feito ao ar livre. Para os casos confirmados, sequer há velório.

— Essa situação é muito nova para todos. As recomendações surgiram aos poucos. A preocupação sempre foi acolher bem as famílias que estão se despedindo da pessoa num momento de dor durante a pandemia — explicou Alberto Brenner Junior, administrador da Penitência.

Na última quinta-feira, dia 2, o Cemitério do Caju realizou mais um sepultamento de caso suspeito da Covid-19. Ao lado da quadra onde seria feito o enterro, uma lixeira especial para descartes de materiais infectados já estava posicionada para receber todos os equipamentos de segurança usados pelos sepultadores. Por volta das 15h20, o corpo chegou, em um caixão lacrado. Em casos suspeitos de coronavírus, o corpo é levado diretamente até a cova dentro do carro da funerária — o motorista também usa itens de proteção, e o veículo deve ser frequentemente higienizados com álcool 70%.

— Há três semanas os velórios ficaram vazios. Vi uma família alugar um ônibus, mas só três pessoas estarem nele. O que impera entre os familiares é o silêncio. O medo tomou conta — disse o administrador da concessionária Real Pax, Isaías Barbosa, que mantém 10 capelas no Cemitério de Inhaúma, na Zona Norte.

Mesmo a despedida a pessoas que morreram de causas não relacionadas à Covid-19 é alterada pela pandemia. Filha do aposentado Paulo Dias Leite, que morreu, aos 81 anos, após passar dois meses internado, Ana Paula Leite, de 48, despediu-se do pai na companhia de apenas outras duas pessoas. E de longe. O caixão de Paulo permaneceu sozinho, no centro de uma das capelas do Cemitério de Inhaúma, sem ninguém velá-lo.

— Não quisemos criar aglomeração para não colocar ninguém em risco, inclusive a minha mãe, que é idosa. Não ficamos lá dentro (da capela) para evitar local fechado. É difícil, mas é uma questão de pensamento coletivo em meio ao caos — ponderou Ana Paula.

Acostumado, como ele diz, “a lidar com a dor do outro”, um funcionário do Cemitério do Caju, que pediu para não ser identificado, relatou como tem sido o trabalho durante a pandemia:

— Qualquer despedida é triste, a gente está acostumado a lidar com a dor do outro. Mas ver esses sepultamentos sem velório, sem a família poder ver o rosto do parente pela última vez, ter que manter o caixão fechado o tempo todo… Isso é mais triste ainda. Nós temos medo de contrair essa doença, temos filhos, mãe, família em casa que depende da gente. Então, tenho tomado todos os cuidados e seguido os protocolos de segurança.

Até o último dia 31, foram realizados, além dos enterros de casos confirmados, 174 sepultamentos onde constava, no atestado de óbito, a suspeita de Covid-19, segundo a Coordenadoria de Cemitérios do Rio. Os cemitérios não forneceram dados sobre número de enterros, mas, na Penitência, a quantidade de cremações, procedimento recomendado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em casos suspeitos de coronavírus, aumentou 44% em marco, em relação a fevereiro.

Em todas as despedidas, o cenário foi muito diferente de um enterro da era pré-pandemia. Além do velório às pressas, a Anvisa recomenda uma série de precauções, como passar álcool 70% no caixão e no carro funerário, e não trocar a roupa do morto.

Pacientes com Covid-19 têm que ficar em isolamento total durante o tratamento, mesmo que não estejam em hospitais. E nos casos fatais, parentes e amigos não podem se aproximar nem para dar o último adeus. O impacto dessas perdas torna o luto ainda mais complicado. Muitas pessoas precisarão de apoio extra, afirma a psicóloga Kátia Pires:

— O luto é a expressão de tristeza profunda pela morte de alguém. Há os chamados lutos complicados ou, como chamávamos anteriormente, “lutos patológicos”, são lutos decorrentes de óbitos repentinos, agressivos, sem tempo para se acompanhar o processo. Os familiares devem ter suporte constante de outros parentes e de amigos para superar a tragédia imposta pelo coronavírus.

 

FONTE: EXTRA

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Marcio Martins martins

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