Policial

PF investiga compra de bebês de venezuelanas

Em 2 meses, G1 ouviu relatos de 3 mulheres; segundo elas, ofertas variam entre R$ 200 e R$ 6 mil. MPF e MPRR receberam denúncias, e PF investiga; em 2018, homem de Bangladesh e brasileira foram presos ao tentar registrar recém-nascida após oferecer R$ 2 mil.

Jovens mães e grávidas venezuelanas que chegam ao Brasil fugindo da crise em seu país e moram em Roraima denunciam que vêm sofrendo assédio de pessoas interessadas em comprar seus filhos.

Em junho e julho, o G1 ouviu relatos de três mulheres que vivem em situação de rua em Boa Vista. Segundo elas, as ofertas variam entre R$ 200 e R$ 6 mil por cada criança.

O Ministério Público Federal e o Estadual têm recebido denúncias de casos desse tipo. A Polícia Federal investiga, mas não dá detalhes a respeito.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê como crime “prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa”. A pena vai de um a quatro anos e multa.

A estimativa é que 32 mil venezuelanos vivam na capital do estado que é a principal porta de entrada dos que cruzam a fronteira. Na cidade, há famílias inteiras, muitas delas com crianças, morando nas ruas ou em casas e prédios abandonados.

Uma venezuelana de 25 anos disse que, em junho, uma brasileira se propôs a pagar R$ 6 mil por sua filha mais nova, de apenas seis meses. A mulher disse que recebeu a oferta quando estava com a criança em um supermercado em Boa Vista.

“Ela falou que R$ 6 mil era muito dinheiro e que, com ele, eu poderia manter meus outros filhos”, contou a jovem. “A brasileira me disse: ‘Te dou R$ 6 mil, e você me dá a menina. Você pode ter outros, mas eu não’. E eu disse: ‘Não dou e nem vendo meus filhos’.”

Em setembro de 2018, um homem de Bangladesh e uma brasileira foram presos em flagrante pela PF quando tentavam registrar uma venezuelana recém-nascida em um cartório na capital. Segundo a PF, o acordo foi de R$ 2 mil.

Organização confirma assédio a mães e grávidas

Em entrevista ao G1, Yssyssay Rodrigues, coordenadora de projetos da Organização Internacional de Migração (OIM) em Roraima, disse que não há estatísticas, mas confirma que o assédio a mães e grávidas tem ocorrido.

“No ano passado, uma pessoa foi inclusive presa próximo a um abrigo. Ela não estava com a criança, mas foi pega na tentativa [de aliciar uma criança]. É o caso mais concreto que tivemos, mas temos bastantes relatos desse tipo”, afirmou.

“Temos orientado e encaminhado essas pessoas a denunciar às autoridades competentes, porque às vezes elas não têm consciência da gravidade da situação, de que se trata de um crime, já que na proposta o aliciador muitas vezes diz que vai cuidar da criança, que ela ficará melhor.”

Além desse assédio a mães para vender seus bebês, a Assembleia Legislativa de Roraima registrou, no primeiro semestre deste ano, seis casos de tráfico humano envolvendo vítimas venezuelanas, sem detalhar as circunstâncias em que ocorreram.

Ainda com relação a tráfico humano, a OIM diz que esse número pode ser maior, pois muitos casos não chegam sequer a ser denunciados.

Uma pesquisa da própria OIM e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) feita em 2018 assinalou riscos de exploração sexual, ameaças de violência e trabalho infantil de crianças venezuelanas em Roraima.

Relatos de mulheres assediadas para vender bebês

Uma mãe venezuelana de 35 anos ouvida pelo G1 afirmou que em junho quatro homens, entre eles um venezuelano, abordaram sua filha, que carregava o irmão de sete meses no colo. Segundo ela, o grupo ofereceu R$ 200 pelo bebê.

“Minha filha pensou que fosse uma brincadeira e disse ao venezuelano que R$ 200 era muito pouco. Então, ele ofereceu R$ 500. Ela ficou com medo e se afastou”, relatou.

Uma outra mulher, de 44 anos, disse que recebeu a proposta de R$ 2 mil pela neta quando estava pedindo ajuda na porta de uma farmácia.

“Um carro parou, e um casal ofereceu R$ 2 mil pela minha neta. Os dois disseram que iam cuidar bem dela”, disse ela.

“Eles insistiram para levá-la, disseram que ela não iria para longe, que iríamos poder vê-la. Era para nos enganar. Eu imagino que algumas pessoas caem nisso, são enganadas e entregam as crianças.”

Em Boa Vista, é comum grávidas pedindo ajuda nas ruas

Na Venezuela, afundada em uma complexa crise política, social e econômica que vem se agravando, há casos de mãe que entregam os filhos para que eles não morram de fome.

Em Boa Vista, é comum ver mulheres e grávidas pedindo ajuda em semáforos, feiras, nas portas de supermercados e farmácias com seus filhos, alguns ainda bebês.

São adultos e crianças com graus variados de necessidades. Em muitos casos, tiveram de abandonar tudo o que tinham para fugir ao Brasil e escapar do risco de morrer de fome.

“Estão em situação de extrema vulnerabilidade, o que é muito triste, porque elas já saíram de uma situação de vulnerabilidade na Venezuela”, avaliou, em entrevista ao G1, Camila Asano, coordenadora de programas da Conectas Direitos Humanos.

Estrangeiro ofereceu R$ 2 mil para registrar bebê

Em setembro de 2018, o bengalês Amran Houssain, de 29 anos, viajou de São Paulo a Boa Vista para registrar como filha a bebê de uma venezuelana nascida havia apenas três dias.

Houssain disse que deu R$ 2 mil a um desconhecido que o colocou em contato com Elisangela Peres de Sousa, de 40 anos, para que ela arranjasse uma criança sem pai registrado, segundo a PF.

A fraude só foi descoberta porque a mãe se arrependeu da negociação e os denunciou às autoridades. Ela contou aos policiais que estava no quinto mês de gestação quando foi aliciada pela brasileira.

A mulher teria garantido a ela que Houssain não ficaria com a criança, mas faria transferências mensais de dinheiro e ajudaria a criá-la, em troca apenas do registro de paternidade.

Mas tanto ele quanto a brasileira, segundo as investigações da polícia, são suspeitos de integrar quadrilhas de tráfico humano. Houssain também é apontado como possível integrante de uma rede de exploração de trabalho análogo à escravidão.

Em depoimento à polícia, o bengalês disse que seu único objetivo era, a partir do registro como pai da criança, ter facilidade na obtenção do Registro Nacional de Estrangeiro (RNE).

À época da prisão, Elisangela não quis dar declarações à PF. Procurada pelo G1, ela disse que quis ajudar o bengalês a se regularizar no Brasil. Negou, porém, ter recebido dinheiro dele ou ter quaisquer ligações com redes de tráfico.

Mãe de 25 anos relatou ter recebido proposta de R$ 6 mil para entregar bebê de seis meses — Foto: Emily Costa/G1 RR

O nome do bengalês também aparece em outra investigação da PF, de 2015.

Neste ano, outro bengalês e um nepalês tentaram cruzar a fronteira da Venezuela com identidades falsas, passando-se por brasileiros.

Após o flagrante, a PF mapeou outros sete estrangeiros (entre eles, Houssain) hospedados em hotéis de Pacaraima, primeira cidade brasileira na fronteira com a Venezuela. A investigação não constatou envolvimento dos sete em nenhum crime, e o caso acabou arquivado.

Risco de tráfico humano

No levantamento de 2018 feito pela OIM e pela Unicef, 3.785 venezuelanos foram ouvidos em Boa Vista e Pacaraima. Entre os entrevistados, 425 (11,2%) tinham 726 crianças ou adolescentes, não necessariamente seus filhos, sob seus cuidados.

Quase todos os adultos disseram que esses menores em algum momento comeram de forma irregular desde a chegada ao Brasil e que 63% deles estavam sem ir à escola.

Sete relataram ter recebido propostas para vender sangue e órgãos de crianças e adolescentes, cinco disseram ter tido ofertas de casamento arranjado para os menores.

Até julho, o Núcleo de Atendimento às Vítimas de Tráfico de Pessoas da Assembleia Legislativa de Roraima recebeu nove denúncias de tráfico humano. Seis das vítimas eram venezuelanas. No ano passado, foram apenas dois casos, ambos com vítimas brasileiras.

O registro chamou a atenção das autoridades, mas na prática o número de vítimas pode ser bem maior.

“Casos de tráfico humano são historicamente subnotificados. Eles ocorrem mais do que são denunciados”, explica Yssyssay Rodrigues, da OIM. “Os principais crimes que advêm do tráfico humano são exploração sexual, trabalho escravo, venda de órgãos e adoção ilegal.”

Na Vara da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de Roraima, não há nenhum caso de adoção regular de crianças venezuelanas.

“O risco de tráfico humano sempre existe diante de populações vulneráveis em mobilidade. No caso de crianças e bebês, esse risco é ainda maior”, diz Camila Asano, da Conectas.

Em 2018, 1,6 mil filhos de venezuelanos nasceram em RR

Brasil é o quinto país que mais recebe venezuelanos em fuga, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).

Diariamente, 550 venezuelanos atravessam a fronteira do Brasil por Roraima, e pelo menos 5% vão a Boa Vista precisando de assistência humanitária, segundo a operação Acolhida, que cuida do fluxo migratório. Sem dinheiro, eles chegam a pé num caminho de 215 km marcado pela fome, sede e cansaço.

Os 13 abrigos do estado lotaram, e o processo de interiorização, que transfere os venezuelanos a outros estados, ainda precisa dobrar sua capacidade para dar conta do número total de pessoas que chegam pela fronteira e das que ficam em Boa Vista por não ter dinheiro para seguir viagem.

No ano passado, os pedidos de refúgio de venezuelanos no Brasil subiram 245%, atingindo 61.681. Desse total, 81% foram apresentados só em Roraima.

Mas eles não foram os únicos que chegaram.

Em 2018, 1.603 filhos de pais venezuelanos nasceram no estado. Neste ano, o número ainda pode ser ainda maior: só até abril, 568 mães venezuelanas tiveram bebês em Roraima.

FONTE: G1/RR

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