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Moro reconhece que vazamento é problemático e diz que “investigá-lo é como caçar fantasmas”

Responsável pela Lava Jato rebateu críticas de acusados e falou sobre polêmicas

O juiz federal Sergio Moro reconheceu vazamentos em delações de executivos da Odebrecht na operação Lava Jato e afirmou que investigá-los “é quase como se fosse uma caça a fantasmas”.

Em entrevista exclusiva à BBC Brasil na Havard Business School, em Cambridge (EUA), o responsável pela operação afirmou que a investigação de vazamentos ilegais de depoimentos de investigados à imprensa “fica comprometida por questões jurídicas”, como o direito ao sigilo de fontes de jornalistas e a liberdade de imprensa, garantidos pela Constituição.

“Não estou reclamando destas proteções jurídicas, acho importante”, afirmou Moro.

Há duas semanas, a defesa do presidente Michel Temer na ação que pede a cassação da chapa Dilma Rouseff-Michel Temer no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) pediu a anulação das oitivas da Odebrecht, inclusive a de Marcelo Odebrecht, alegando que o TSE só teria convocado executivos da empreiteira para depoimento após o vazamento ilegal do conteúdo da delação feita como parte da Lava Jato.

O ex-presidente Lula, por sua vez, enviou uma petição ao comitê de direitos humanos da ONU (Organizações das Nações Unidas), alegando que a operação busca a “destruição de reputação através de vazamentos ilegais de documentos e depoimentos à mídia”.

À reportagem, Moro disse que investigar jornalistas e veículos que publicaram conteúdos vazados “seria contrário a proteção de fontes, à liberdade de imprensa”. “E isso nós não faríamos”, disse.

Sobre o recuo na investigação contra o blogueiro Eduardo Guimarães — que no mês passado teve celular, pen-drive e notebook apreendidos na investigação do suposto vazamento do mandado de condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no ano passado —, Moro argumentou que “é difícil” definir o que é um jornalista.

— Existe a posição no Brasil de que não é necessário um diploma, mas o fato de você ter uma página na internet qualifica alguém como jornalista? Então, por exemplo, você tem uma página no Facebook, isso é jornalismo? Ou um blog, como era o caso, é jornalismo?

Após ser criticado por órgãos como a associação Repórteres sem Fronteiras, o juiz voltou atrás e excluiu Guimarães do processo.

Moro também nega qualquer conflito ético nas fotos em que aparece sorrindo ao lado do senador Aécio Neves (PSDB), que tem foro privilegiado e teria acertado repasses de R$ 50 milhões, segundo executivos da Odebrecht e da Andrade Gutierrez, após o leilão para a construção da hidrelétrica Santo Antônio, em Rondônia, em dezembro de 2007.

As imagens foram divulgadas no ano passado.

— Olha, não tenho nenhum processo do senador na minha responsabilidade porque ele tem foro privilegiado e não foi tratado sobre assuntos relativos ao processo, evidentemente.

Leia a entrevista completa da BBC Brasil com o juiz federal Sergio Moro durante a Brazil Conference, organizada por estudantes de Harvard e do MIT (Massachusetts Institute of Technology) no último fim de semana, nos EUA.

BBC Brasil: Estamos em um momento em que o núcleo do governo tenta invalidar delações da Odebrecht, alegando vazamentos ilegais a imprensa. Essa falta de controle pode colocar em risco a operação, uma vez que estamos em uma das principais delações neste momento. Como é que a Lava Jato consegue descobrir o maior esquema de corrupção do Brasil, ou um deles, mas não consegue controlar este tipo de vazamento?

Sérgio Moro: É, esta é uma questão interessante. É como aquela velha charada: “O que é o que é que quando você divide você destrói?” E isso é um segredo. A partir do momento em que se compartilha a informação com outras pessoas, sempre vai surgindo a possibilidade de um vazamento ilegal.

Às vezes, tem-se de fazer uma ressalva, há uma crítica a supostos vazamentos na Lava Jato que não são propriamente vazamentos. Nossa legislação exige que estes processos sejam conduzidos em público, que os julgamentos sejam públicos, e isso significa também que as provas acabam se tornando públicas em um momento no processo. Então, muitas vezes, o que as pessoas falam que é vazamento na verdade não é.

Agora, pontualmente realmente ocorreram vazamentos e muitas vezes se tenta investigar isso, mas é quase como se fosse uma caça a fantasmas, porque normalmente o modo de se investigar isso de maneira eficaz seria, por exemplo, quebrando sigilos do jornalista que publiciou a informação. E isso nós não faríamos, porque seria contrário a proteção de fontes, à liberdade de imprensa.

Então, infelizmente, há uma dificuldade de descoberta desses fatos. Não que nós não tenhamos mecanismos de investigação, mas que a utilização deles fica comprometida por conta dessas proteções jurídicas. E eu não estou reclamando destas proteções jurídicas, acho importante.

BBC Brasil: O senhor citou a liberdade de imprensa e o direito ao sigilo de fontes. A associação Repórteres sem Fronteiras classificou como “clara tentativa de quebra de sigilo de fonte” a condução coercitiva do blogueiro Eduardo Guimarães, do blog da Cidadania. Como o senhor avalia esse episódio? Esse foi um equívoco?

Moro: Olha, esse é um caso pendente, então eu teria dificuldade de falar. Mas, baseado no que já foi colocado no processo, tem uma questão jurídica relevante em qualificar a atividade, em particular daquela pessoa, como ele sendo jornalista ou não. Havia uma série de controvérsias a respeito de se o que a pessoa fazia era jornalismo ou não.

Houve algumas manifestações, por exemplo até desse próprio órgão, no sentido de que seria a atividade dele jornalismo, e se entendeu de tomar a postura mais prudente, já que alguns órgãos assim de classe ou representativos estavam tendo essa posição, de se tratá-lo como jornalista.

BBC Brasil: Essa avaliação foi feita antes da repercussão negativa também?

Moro: Sim, foi uma questão debatida no processo. E realmente não é uma questão tão fácil. O que define um jornalista, né? Tudo bem, existe a posição no Brasil de que não é necessário um diploma, mas o fato de você ter uma página na internet qualifica alguém como jornalista? Então, por exemplo, você tem uma página no Facebook, isso é jornalismo? Ou um blog, como era o caso, é jornalismo? Então havia uma série de discussões em cima da circunstância fática envolvendo aquele caso.

BBC Brasil: Na opinião do senhor, especificamente, esse tipo de atividade é jornalismo?

Moro: Não, eu não entraria nesse mérito porque é um caso pendente. Estou dizendo que teve essa controvérsia.

BBC Brasil: Opositores e políticos que são alvo da Lava Jato alegam ciclicamente que a operação seria parcial ou relevaria determinados personagens políticos ou determinados partidos. O senhor deu munição a esses argumentos quando foi fotografado sorrindo junto com o senador Aécio Neves em um evento que homenageou Michel Temer, ambos citados no âmbito da operação. O senhor se arrepende desse momento?

Moro: Olha, a investigação é feita de maneira indiferente às opiniões políticas dos investigados. O que é relevante é se há comportamento criminoso ou não, e não a questão da opinião pública dessa pessoa. Agora, o juiz tem uma vida que também é fora do gabinete e às vezes existem essas situações de serem tiradas fotos.

Aqui mesmo neste evento muitas pessoas pedem fotos e muitas vezes a gente fica até constrangido de não tirar foto. Era um evento público, foi tirada a foto, e o que há é uma exploração política do episódio, mas não existe nenhum comportamento impróprio da minha parte.

BBC Brasil: O senhor, portanto, não vê ali então nenhum conflito ético.

Moro: Olha, eu não tenho nenhum processo do senador na minha responsabilidade porque ele tem foro privilegiado e não foi tratado sobre assuntos relativos ao processo, evidentemente. Se você está em um evento e as pessoas tiram fotos, bem, não tem como evitar.

BBC Brasil: Como o senhor avalia a proposta do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, de criminalização da carteirada (utilização do cargo ou função para se eximir do cumprimento de obrigação legal ou para obter vantagem ou privilégio) e do abuso de imprensa (uso abusivo dos meios de comunicação ou de redes sociais pela autoridade encarregada da investigação que antecipa a atribuição de culpa, antes de concluída a investigação e formalizada a acusação)? O senhor as acha pertinentes?

Moro: Não estou suficiente informado sobre as propostas para dar uma opinião.

BBC Brasil: O senhor é descrito sempre em protestos de massa e hoje aqui nos corredores de Harvard como um herói, responsável por um resgate da moralidade política no Brasil. O senhor gosta desse tipo de homenagem? Elas são saudáveis no momento político em que a gente vive?

Moro: Olha, sempre tenho reforçado publicamente que o importante é o trabalho institucional, do Judiciário e das outras instituições, nesse caso. Então, o que deve ser o foco é o fortalecimento das instituições e, dessa maneira, também isso envolve o fortalecimento da nossa democracia.

Agora, às vezes o trabalho que tem sido feito, pelos resultados, gera algum sentimento de gratidão por parte das pessoas e isso de maneira nenhuma pode ser reputado como algo negativo. Mas sempre, e inclusive publicamente, sempre me manifestei no sentido de que o importante é a parte institucional.

BBC Brasil: O senhor já disse várias vezes que não tem nenhum plano de se candidatar a cargos eletivos. Nunca? E por quê?

Moro: A resposta é não, não tenho nenhuma pretensão de ir para uma carreira politica. Meu trabalho é como magistrado, simples assim.

Fonte: BBC Brasil

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