Procuradores de Curitiba chegaram a desenhar uma fundação privada que administraria até R$ 2,5 bilhões pagos por estatal
No primeiro encontro com procuradores da República de Curitiba após a ação contra a fundação privada que iria gerenciar até R$ 2,5 bilhões da Petrobras, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge , afirmou aos integrantes da Lava-Jato que o destino do dinheiro será decidido pela PGR e não da força-tarefa no Paraná, em razão da judicialização do caso. Dodge disse aos procuradores que eventuais decisões e articulações em primeira instância poderão ser inócuas, uma vez que o caso está no Supremo Tribunal Federal ( STF ).
No dia 12 de março, a procuradora-geral ingressou no STF com uma açãopor descumprimento de preceitos fundamentais (ADPF) contra o acordo feito entre o Ministério Público Federal (MPF) no Paraná e a Petrobras, que garantiria a criação de uma fundação privada para administrar até R$ 2,5 bilhões depositados pela estatal. O dinheiro é referente a penalidades aplicadas à Petrobras por prejuízos a acionistas em território norte-americano.
As autoridades dos Estados Unidos concordaram que os R$ 2,5 bilhões ficassem no Brasil, desde que não fossem usufruídos de alguma forma pela própria estatal. O modelo da fundação foi desenhado pela Lava-Jato em Curitiba, capitaneada pelo procurador Deltan Dallagnol, que esteve na reunião na sede da PGR em Brasília no fim da tarde da última segunda-feira.
Os dois lados que se sentaram à mesa – protagonistas de uma crise dentro do Ministério Público após vir à tona a ideia da fundação e a propositura da ação no STF – evitaram dar detalhamentos sobre o que ocorreu na reunião, que durou uma hora e meia. O texto divulgado pela assessoria de imprensa da PGR apontou informações gerais sobre pontos da reunião. Foi acompanhado de uma foto em que os procuradores aparecem sorridentes e descontraídos. Esta não foi a tônica de toda a reunião – a foto foi tirada no começo do encontro entre os integrantes do MPF.
Reunião tensa
A reunião foi marcada pela tensão no momento em que Dodge deixou claro que uma decisão sobre o encaminhamento do dinheiro será proposta por ela, no curso da ação no STF. Ao longo do encontro no prédio espelhado da PGR, os procuradores da Lava-Jato argumentaram que a atribuição no caso é deles, por terem sido os artífices do acordo que garantiu a permanência do dinheiro no Brasil. Além disso, eles lembraram que foi a atuação originária da Lava-Jato, ao desbaratar um esquema de corrupção na Petrobras, que levou a uma correção dos balanços da estatal ainda no começo da operação.
À mesa, Dodge voltou a defender que o dinheiro seja destinado ao Ministério da Educação, a ações específicas de educação e com mecanismos que garantam a aplicação dos recursos, sem contingenciamento. Desta forma, acredita a procuradora-geral, não haveria restrições por parte das autoridades norte-americanas. Os procuradores de Curitiba não se opuseram.
No último documento enviado à ação em curso no STF, no dia 8, a procuradora-geral chegou a fazer um detalhamento das ações pensadas: “programas de apoio ao desenvolvimento da educação básica, apoio a infraestrutura para a educação básica, aquisição de veículos para transporte escolar da educação básica”.
Pelo menos outras quatro opções foram colocadas à mesa: o Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), vinculado ao Ministério da Justiça e existente desde 1985 para receber recursos de punições em ações de improbidade, por exemplo; o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), também vinculado ao Ministério da Justiça; fundos específicos da área de educação; e a criação de um fundo anticorrupção. Esta última opção já vinha sendo discutida entre a Lava-Jato no Paraná e o ex-juiz federal Sergio Moro, hoje ministro da Justiça, como revelou O GLOBO em reportagem publicada no último dia 14 . Um projeto de lei no Senado, de autoria do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), propõe a criação de um fundo com essas características, vinculado à Controladoria-Geral da União (CGU).
A ideia de Dodge é dar um encaminhamento mais definitivo sobre o rumo do dinheiro até o início de junho. Atendendo a um pedido da procuradora-geral, o ministro Alexandre de Moraes, relator da ADPF, determinou o bloqueio dos recursos depositados em juízo. Caberá a ele dizer se concorda ou não com o encaminhamento que vier a ser sugerido.
Uma decisão mais técnica, vista por procuradores como possível no curso do processo, é a anulação do modelo inicialmente desenhado e a determinação para que os procuradores de Curitiba refaçam esse modelo. No MPF, a ideia da fundação privada é tratada como mal desenhada e até mesmo como um erro crasso, por ter previsto que procuradores estariam associados de alguma forma à gestão do dinheiro. Dodge, na reunião, reforçou não existir dúvida sobre a boa fé dos procuradores de Curitiba e afirmou ter agido junto ao STF para preservar a percepção de credibilidade e seriedade do Ministério Público.
Internamente, a opção pela ADPF é vista por parte do MPF como descabida tecnicamente e como um ingrediente para uma crise da instituição. Para ver a questão resolvida, e evitar o aprofundamento da crise, os procuradores de Curitiba evitaram contestações diretas e se mostraram abertos a soluções para o dinheiro depositado pela Petrobras. Além de Dodge e Dallagnol, outros cinco procuradores da República – integrantes da PGR ou da força-tarefa em Curitiba – participaram da reunião na segunda-feira.
FONTE: O GLOBO
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