Cultura

Eterna Pimentinha, Elis Regina completaria 70 anos nesta terça-feira

“Esse tal de iê-iê-iê é uma droga: deforma a mente da juventude”, declarou a incendiária Elis Regina em meados dos anos 1960. Pouco tempo depois, a cantora gaúcha acabou por incluir no repertório canções dos ídolos máximos da Jovem Guarda, Roberto e Erasmo Carlos. A súbita transformação chamou a atenção da imprensa. “Mudei de opinião, oras. Vocês nunca mudaram?”, provocou, com a típica soberba que a acompanhava.

Assim era Elis: complexa e contraditória. Ela ia à feira e, caso percebesse que os trocados lhe faltavam no bolso, pedia para pendurar o alface. Isso quando já era “a maior cantora do Brasil”. Apesar do temperamento agressivo e bipolar — ou “ciclotímico”, como preferiam à época —, a artista não se comportava como diva. Era do povo e a ele queria pertencer. Não à toa, despia-se nas entrevistas como se estivesse em uma sessão de terapia.

Há cinco anos, o jornalista Julio Maria se debruça sobre a vida e a obra da cantora, escancaradas nos discos que deixou, nos vários depoimentos que concedeu às rádios e televisões e na memória dos que conviveram com ela. Julio fez cerca de 130 entrevistas com pessoas que viram a artista de perto, e o resultado está em Nada será como antes, biografia que será lançada em São Paulo hoje, data em que Elis completaria sete décadas de vida. Ela morreu em 1982, aos 36 anos.

Intérprete de recursos infinitos, Elis despontou para o estrelato no fim da adolescência e passou a maior parte da vida sob os holofotes. A morte prematura, contudo, causada por overdose de cocaína, acabou por mitificá-la. Em 1985, a jornalista Regina Echeverria encontrou dificuldades para arrancar profundidade dos entrevistados ouvidos para a biografia Furacão Elis. Julio Maria teve o tempo a favor.

“Com o passar dos anos, as pessoas refletiram melhor sobre o que aconteceu”, acredita o autor, sobre a morte traumática da biografada. “Não ter convivido com Elis me trouxe uma vantagem: eu não tinha nenhuma teoria. Não era fã, amigo ou inimigo: entrei na história como repórter.”

O jornalista foi convidado a escrever um livro pequeno sobre Elis. Na terceira entrevista (“acho que foi com o Miele”), percebeu que havia muitas histórias a serem contadas e lutou para que o projeto fosse ampliado. “Se você confiasse só nas entrevistas da Elis, podia cair em armadilhas. Ela inventava histórias e apagava pessoas de sua vida caso brigasse com elas”, comenta Julio, citando a personalidade difícil da biografada.

Primogênito de Elis, o produtor musical João Marcello Bôscoli, filho da cantora com o jornalista e compositor Ronaldo Bôscoli, tinha 11 anos quando a mãe morreu. “Onze e meio”, enfatiza ele, “pois seis meses fazem muita diferença na vida de um filho e uma mãe”. João Marcello chegou a receber uma versão prévia da biografia, mas não se meteu no texto final. Confiou no autor. “Se você ler o livro, será fácil perceber que não teve intervenção nossa. Eu acho inaceitável a família ter de autorizar”, opina João Marcello. “Isso é censura, e eu sou contra”.

DUAS PERGUNTAS PARA // JULIO MARIA

Como você aborda a questão da morte e das drogas na vida de Elis?
Consegui um item muito importante para o livro: o inquérito policial que estava arquivado no Tribunal de Justiça de São Paulo. Tem correntes que acreditam que Elis foi assassinada. Uns dizem que foi suicídio. Tem gente que fala que não foi por causa da cocaína. Samuel McDowell, namorado de Elis à época da morte, diz que foi por cocaína, sim. E há o exame médico, que até hoje não foi desqualificado. Houve um trauma muito grande, que impediu que as pessoas falassem abertamente sobre isso naquele momento. Quem levou as drogas até Elis? Ela era uma careta, chata, polícia dos amigos. Foi só nos últimos 10 meses de vida que a droga apareceu para ela.

Como os filhos de Elis reagiram ao lançamento da biografia?
Seguimos a legislação e, depois de quatro anos de trabalho, mandamos o texto para os herdeiros. João Marcello demorou a responder. Disse que não conseguia ler algumas partes. Parava e continuava quatro dias depois. Ele disse que algumas partes o faziam gostar menos da mãe, mas não pediu nenhuma alteração. O Pedro era um cara que eu achava que ia barrar. Depois de uns dois meses ele me ligou, agradeceu e disse que, após conhecer a mãe melhor através do livro, consequentemente se conhecia melhor também. Fui ao camarim de Maria Rita após um show e ela disse que não havia lido, e que não iria ler, confiava no meu trabalho. O cenário foi o melhor possível e eu agradeço a compreensão deles.

 

Fonte: Divirta-se Uai

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Gomes Oliveira

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